quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

"isto é o quê, a Arte Postal?...

Isto é o quê, a Arte Postal? de momento, algumas palavras (três) a servirem de chave: ditribuição, isolamento, pluralidade. O circuito é interminável, tanto quantas as caixas postais, no mínimo. Nada a ver, portanto, com o espaço bi-unívoco da galeria de arte, preferêncialmente. Aqui, e por essência, tudo se desloca. Há um selo: eis o que basta; de um lado para o outro o desentrançar é permanente.
Rosa dos ventos. Deslocanentos parcelares e contínuos. Uma trama que se constrói. Um feixe. Cada objecto de Arte Postal transposto para o espaço fechado de uma galeria tende a morrer em algum dos seus pontos: deixa de reproduzir, apenas se mostra. Na verdade, e à maneira de um electrão numa câmara de nevoeiro, o que está em causa na Arte Postal é o desenvolvimento de uma geografia, um espaço que se multiplique em linhas de força: fluxus e mais fluxos. E que a Arte Postal faz-se sobretudo em trânsito, de dentro para fora e de fora para dentro.
Um corpo-pleno, dir-se-ia por isso. A Terra como território de distribuição: o ovo cósmico. Aqui, uma exposição está como que a mais, ou a menos. Paradoxo. A menos põe em evidência todo o sistema pela sua negativa. Fazer uma exposição de Arte Postal é deter a máquina, fazê-la avariar naquilo que ela possui de essencial, e isso como forma de lhe evidenciar os mecanismos. Expor Arte Postal no sentido em que se expõe quadros ou esculturas é inviabilizar um ponto fixo do espaço e no tempo a sua re-produção, facto momentâneo mas básico, de modo a que tudo permaneça na mesma, isto é, a avaria constitui a condição necessária ao funcionamento de todo o mecanismo.
A arte vai com a Unidade. mas dois não é ainda plural. Dois é o público frente ao objecto: Pura dicotomia. Pluralidade é o dois que se faz três: re-produção. Na Arte postal, somente, emissores em primeiro e segundo grau se encontram implicados. Quem recebe também emite, utilizando a mesma via - o correio -, e segundo as modalidades de uma mesma forma - a arte. Um nome e uma morada são elementos ínfimos, moléculas, que se organizam caoticamente numa rede sempre alargada. Não há Arte Postal sem um nomadismo artístico, sem deserto.
O deserto. Isso não é ainda o betão, mas quase. Talvez o seu efeito. Isolamento e comunicação. A Arte Postal é nómada porque só pode sê-lo, porque vai de um ponto a outro no deserto. Estender os braços. Aqui é o betão que se transforma parcelarmente em deserto liso. Não se atravessa uma parede: O correio serve para isso."
(Mandrágora)

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in: catálogo da primeira exposição de "mail art" de Mandrágora (palácio Anjos - Algés 1983) a segunda exposição de "mail art" em Portugal